O que se aprende jogando videogame?

Há poucos dias um aluno fez um breve comentário que me fez pensar muito. Estava eu supervisionando a aplicação de uma prova de História para um colega professor, quando, ao entregar a prova, o aluno em questão disse o seguinte: – “Só consegui responder as questões 7 e 8 pois joguei muito Assassin´s Creed”. Pela dinâmica da sala de aula e da aplicação da prova, não tive como perguntar os motivos daquela afirmação, mas aquilo ficou martelando na minha cabeça. Para quem não conhece o jogo, a premissa central de Assassin´s Creed envolve a rivalidade entre duas sociedades secretas: os Assassinos que desejam a paz através do livre arbítrio e os Templários, que têm o mesmo objetivo mas através da ordem. Vamos deixar este assunto para outro artigo…

Isso me fez pensar no seguinte: o que aprendemos jogando videogame? Existem diversas pesquisas acadêmicas sobre o assunto além de muitos livros. Mas eu queria saber na prática, das pessoas com quem mantenho contato, a resposta para esta pergunta.

Resolvi então perguntar nas redes sociais tendo em vista que 90% dos meus alunos e ex-alunos são dos cursos de Jogos Digitais além de manter contato com muitos profissionais da área de tecnologia e games e esperar os comentários livres e sinceros. E sabe o que descobri? O óbvio ululante, claro. Muita gente aprendeu e continua aprendendo com os videogames.

Aprender inglês domina o cenário…

Aprender inglês com games é quase unanimidade entre as pessoas que responderam a indagação e muitas pessoas relataram isso. Caleb Rossetti compartilha sua experiência assim: “aprendi inglês com videogames. Todas as expressões, gírias e grande parte do meu vocabulário e gramática vieram através de jogos de videogame e computador. É claro que a interação com outros jogadores também foi crucial para as gírias. O próximo passo seria aprender japonês com jogos, mas ainda não saiu”.

“Eu seria uma pessoa totalmente diferente, com certeza pra pior, se não tivesse ganho um Sega Genesis na infância”

Já Pedro Miranda também dá um depoimento sobre ter aprendido inglês com games e vai além: “aprendi inglês, em todos os aspectos. Aprendi a me entregar para uma experiência emocional e me sentir realizado durante o processo. Aprendi que pouco muitas vezes é melhor do que muito. Aprendi que é a mídia mais forte e conectiva com o ser humano de mente aberta uma vez que seja executada de maneira coerente com sua proposta. É seguro dizer que eu seria uma pessoa totalmente diferente, com certeza pra pior, se não tivesse ganho um Sega Genesis na infância”.

Para o pesquisador e professor Francisco Tupy os games influenciam a compreensão de mundo das pessoas, de modo que, se vistos como ciência, eles ampliam as relações com o conhecimento, permitindo uma nova maneira de aprendizagem e transformando, assim, a qualidade do ensino.

É interessante ver que, os mais diversos jogos ajudaram as pessoas a aprender inglês. Patricia Salomone conta que aprendeu inglês “muito por conta de Mário, Pokémon e Resident Evil, que são as franquias que mais joguei ao longo da minha infância e juventude, mas especialmente por conta de Pokémon. Foi um jogo que eu literalmente cresci jogando. Sempre me despertou muita curiosidade e consequentemente eu ia atrás de tentar entender o que tava acontecendo e também colava em prática o que havia aprendido”. Vale lembrar que em mais de 20 anos de Pokémon, muita coisa já foi dita, de convulsões em meados da década de 90 até moleque tentou vender a sua irmãzinha por um card raro de Pokémon. Estas histórias estão aqui.

Outros aprendizados

O game designer e artista 2D Raul Tabajara relata, sinceramente, desta forma: “sou um dos poucos que não aprendeu inglês porque eu via como uma barreira e não uma oportunidade e fugia de jogos de RPG. O meu primeiro Point and Click que joguei sem meu irmão do lado foi o Full Throttle em português… depois de anos. Eu tinha um MSX em 1980 e havia um software chamado Graphos III. Era um programa pra desenhar. Eu adorava passar horas desenhando naquele programa (e depois perdia tudo quando desligava o micro). Então, uma coisa que aprendi com videogames (o MSX pra mim era um videogame), foi arte digital. Se eu sei muito de pixel-art hoje, foi porque fiz muito no MSX. Contudo, eu não sei se o videogame tem que ensinar alguma coisa. Esporte não ensina nada, e no entanto tem sempre um dizendo que o esporte tirou a pessoa das drogas, fez dela uma pessoa mais completa. As vezes acho que diversão saudável pode ser muito mais que um aprendizado acadêmico”.

“Meu interesse por programação foi 100% motivado pelo desejo de fazer games eu mesmo”

Para o desenvolvedor e professor Everson Siqueira, o processo de aprendizagem sempre foi muito rico e conta que “jogando no meu Apple II, aprendi que seu eu tivesse paciência e usasse o dicionário inglês-português, ia me divertir muito. Isso se aplica também à época dos VHS predominantemente em som original, legendado. A localização de filmes e games veio trazendo mais inclusão – mas também trouxe a ilusão de que não é necessário (ou não vale a pena) aprender outro idioma (“logo logo lançam em português!”). E, definitivamente, meu interesse por programação foi 100% motivado pelo desejo de fazer games eu mesmo”.

E para fechar, Fabio da Silva Ferreira apresenta um outro olhar sobre o aprendizado com games, revelando que “o game StarCraft e sua curva de aprendizagem intensa, me ajuda muito no meu trabalho como analista de processos: tomada de decisões, administração de recursos, alta complexidade na movimentação de unidades, praticar diariamente para não perder a sequência de evolução… o jogo te puni drasticamente se você não interpreta as janelas de ataque. Enfim, Jogos de Estratégia em Tempo Real (RTS) deveriam ser disciplina obrigatória em escolas de negócio e análise de riscos”.

Depois que lancei a pergunta nas redes sociais, recebi muitas respostas e nem todas consegui inserir no texto. Espero ter a oportunidade de citar todos em outra oportunidade. Agradeço desde já a imensa colaboração.

E como podemos ver, os jogos ajudaram a definir o caminho profissional de muita gente e contribuem para sua formação até hoje. Este é um dos grandes poderes transformadores dos games.

E a pergunta continua aqui: o que você já aprendeu com games?

David de Oliveira Lemes (@dolemes) é professor do Departamento de Computação da PUC-SP. Consultor na área de educação e tecnologia. Leciona na FIAP, FECAP e Faculdade Impacta. Também edita o GameReporter. Gostaria de consultoria, palestra para sua empresa, evento ou instituição de ensino? Entre em contato.