Você conhece a Fábula de Jogo?

Games são obras narrativas. Independente da natureza do jogo digital, até mesmo um simples puzzle lógico traz em si elementos narrativos que contam uma história, uma aventura ou simplesmente um processo de descoberta. Chegou a hora de conhecer a Fábula de Jogo!

Em um jogo digital, além de você poder jogar uma história, você pode interpretá-la de várias maneiras. A cada nova etapa vencida, uma nova descoberta se faz. E não se pode negar que a narrativa encontra no game um habitat fértil (Santaella, 2007).

Fértil, pois o ambiente digital, onde acontecem as dinâmicas de jogo, propicia que a multilinearidade narrativa inerente a este meio esteja presente e seja aplicada, lida e relida sempre que um novo ato de jogar aconteça.

Contudo, é preciso aqui começar a definir um caminho a ser percorrido na presente pesquisa e perguntar: mas o que são de fato obras narrativas? De acordo com Barthes (2011), “a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, na conversação”. Como a primeira edição da obra citada foi escrita em 1973, o game, o videogame e os jogos digitais não estão na lista do autor. Fosse o livro escrito por Barthes alguns anos depois, estariam, pois games contam histórias que podem ser jogadas.

Neste sentido usaremos o conceito de fábula proposto por Bal (1997) para estabelecer os parâmetros de análise na narrativa. E dentro de um estudo aprofundado sobre o tema, a autora apresenta o conceito de fábula. Como podemos definir o que é uma fábula dentro deste contexto? Antes é preciso saber como o termo é usado.

Na Língua Portuguesa, a palavra “fábula” apresenta diversos significados, como: narrações alegóricas cujas personagens são, por via de regra, animais, e que encerra uma lição de moral, com as fábulas de La Fontaine. Mitologia, lenda: os deuses da fábula. Narração de coisas imaginárias: ficção. Fabulação. Assunto de crítica. Enredo. Quantia ou importância muito elevada: grande soma de dinheiro (Portella, 1983).

Já o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis, define fábula destas seis formas: 1 – Pequena narrativa em que se aproveita a ficção alegórica para sugerir uma verdade ou reflexão de ordem moral, com intervenção de pessoas, animais e até entidades inanimadas. 2 – Narração imaginária, ficção artificiosa. 3 – Narrativa ou conjunto de narrativas de ideação mitológica; mito. 4 – Entrecho ou urdidura de qualquer obra de ficção. 5 – Os elementos de deformação da realidade nas composições do gênero épico ou de invenção. 6 – Mentira.

A segunda definição de “fábula” (narração imaginária, ficção artificiosa) contribui para o uso da palavra fábula no contexto deste trabalho de pesquisa, assim como uma definição de Portella: narração de coisas imaginárias, ficção. Este é o sentido de fábula que adotaremos neste trabalho.

Tendo a narrativa como um dos pontos relevantes neste texto, vamos assumir que, dentro do contexto da Língua Portuguesa, o conceito de enredo e narrativa para tratar especificamente da fábula e construir aqui uma raciocínio para a apresentação do conceito de Fábula de Jogo.

Cabe aqui considerar uma fábula como um agrupamento específico de uma série de acontecimentos. A fábula, como um todo, constitui um processo, embora cada evento também possa ser chamado de processo, ou pelo menos parte dele. É fundamental distinguir as três fases da fábula: a possibilidade (ou virtual), o evento (ou realização) e o resultado (ou conclusão) do processo. Nenhuma dessas três fases é indispensável. Uma possibilidade pode ou não ser realizada. E mesmo que o evento aconteça, nem sempre é garantida uma conclusão satisfatória (Bal, 2017).

Veja um exemplo específico desta do universo dos games. O jogo Super Mario Bros, lançado em 1985 pela Nintendo, conta com oito mundos e, cada um destes mundos possui quatro fases. O objetivo final do personagem principal é enfrentar, no oitavo e último mundo, o vilão chamado Bowser, salvar a Princesa Peach e libertar os habitantes do Reino dos Cogumelos.

Para chegar ao objetivo final, Mario, o personagem principal, vive uma sequência de eventos e acontecimentos, formando assim a narrativa presente no jogo. Contudo, a conclusão do objetivo final, nem sempre é satisfatória e alguns eventos podem não acontecer em um primeiro momento, pois o jogador precisa aprender como vencer os vilões para assim salvar a Princesa Peach. Apesar de uma conclusão não satisfatória, o jogo continua até a conclusão satisfatória.

Como podemos ver, a história do jogo é uma narrativa. E, de acordo com Bremond (2011), “toda narrativa consiste em um discurso integrado em uma sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação”. Olhando para a história dos games, desde o seu início, até os dias atuais, não é difícil fazer esta analogia direta: um jogo digital é composto, dentre tantos elementos, de um agrupamento específico de uma série de acontecimentos. Estes acontecimentos, apesar de serem jogados quando o game está pronto, passou por um planejamento prévio, um processo de criação e escrita e construção de uma narrativa. E é este processo de criação e de definição da sequência de acontecimentos que daremos o nome aqui de Fábula de Jogo.

E neste ponto vou propor que, uma Fábula de Jogo [FDJ] é, portanto, uma sequência de acontecimentos narrativos que podem ser jogados construindo assim a narrativa presente no jogo digital. Estes acontecimentos narrativos devem estar documentados de alguma forma durante o processo de criação, antes de serem programados para serem transformados em um jogo digital.

Veremos mais sobre o processo de documentação em textos futuros, mas caso tenham dúvidas, deixe aqui seu comentário.

Sendo a proposta de Fábula de Jogo ser uma sequência de acontecimentos narrativos, o que aconteceria se isolássemos estes acontecimentos, ou seja, separarmos em acontecimentos independentes?

Este é um assunto para o próximo texto.

Referências Bibliográficas

BAL, M. Narratology: Introduction to the Theory of Narrative. 2nd. ed. Toronto: University of Toronto Press, 1997.

BARTHES, R. Análise estrutural da narrativa – 7a edição. Petrópolis: Vozes, 2011.

BREMOND, C. A lógica da narrativa. BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 2011.

SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

PORTELLA, O. O. A fábula. Revista Letras, v. 32, 1983.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *