Ergonomia e usabilidade em advergames

Advergames são jogos criados com fins de propaganda ou fixação de marca. Para conquistar adesão mais ampla e imediata, utilizam interfaces que podem ser reconhecidas rapidamente.

Por David de Oliveira Lemes e Alexandre Braga

A Ergonomia, no sistema homem-máquina de computadores, ocorre quando a interface gráfica é apresentada ao seu usuário em uma linguagem que este já esteja adaptado. Com os advergames o processo é semelhante: antigos comandos de jogos tipo arcade são utilizados em novos games, mantendo em seu processo de interação a simplicidade que sempre garantiu a usabilidade.

A definição de Ergonomia segue uma série de conceitos que podem ser aplicados aos mais diversos sistemas operacionais envolvendo homem e máquina.

A definição de sistemas, utilizada em intervenções ergonômicas, é o conjunto de elementos e suas relações uns com os outros, com seu ambiente, de maneira a formar um todo, tornando-se um sistema no qual todos os seus elementos atuam na realização de um mesmo objetivo e interagem garantindo a comunicação entre si.

Em um processo de interação entre usuário e computador, a ergonomia pode se fundamentar no sistema homem tarefa máquina, onde o objetivo único do sistema passa a ser a tarefa que é designada ao homem e não à máquina, obrigando o sistema a obedecer um processo que dá primazia ao homem, para que ele realize a tarefa da qual foi incumbido.

Para tal, o homem conta com a colaboração da máquina, que age no ponto em que o corpo humano não tem rendimento suficiente, funcionando como uma extensão das ações do ser humano. Portanto, as ações dos elementos desse sistema são ainda as ações do homem.

Na escala hierárquica que rege a comunicação dos elementos, o homem vem em primeiro lugar e a máquina deve ser projetada sob o ponto de vista do homem, conforme analisou Régnier: “A ergonomia tem como objeto as comunicações entre homens e ‘máquinas’, o homem como usuário, consumidor, operador, controlador, trabalhador. Os ergonomistas, ao projetarem equipamentos, produtos, estações de trabalho e sistemas, objetivam maximizar o conforto, a satisfação e o bem-estar, garantir a segurança e minimizar os custos humanos do trabalho e a carga física, psíquica e cognitiva do operador. Resulta, conseqüentemente, um segundo objetivo, que é permitir ao homem utilizar da melhor maneira e por mais tempo possível suas experiências, habilidades e potencialidades. A Ergonomia visa adaptar o trabalho e o ambiente físico do trabalho ao homem. Seu objetivo é, portanto, primacialmente humano”. [1]

Um exemplo interessante de intervenção ergonômica é a diferença entre o teclado de computadores tradicional e o ergonômico. O teclado ergonômico é aquele que foi projetado para ajustar-se à forma da mão do usuário, o que garante a sua melhor utilização possível. Esse tipo de produto já é projetado sob a perspectiva humana, não exige que o homem se adapte à sua forma, esta já é adaptada ao corpo humano. Em um sistema operacional de computadores, a compreensão, que garante a utilização, também deve ser pensada sob a perspectiva humana, isto é, já projetada para o homem, evitando uma curva de aprendizagem muito longa, que todo o período de adaptação às novas máquinas exige.

A intervenção ergonômica, a compreensão do usuário e a utilização facilitada da ferramenta computador ocorre quando o computador se auto-representa para o homem, sob o ponto de vista do pensamento humano, através de imagens, sons, associações hipertextuais e conceitos. Só assim se forma um sistema no qual os elementos interagem e o homem é colocado em uma posição hierárquica superior, segundo Johnson: “Um computador pensa – se pensar é a palavra correta no caso – através de minúsculos pulsos de eletricidade, que representam um estado ‘ligado’ ou um estado ‘desligado’, um 0 ou um 1. Os seres humanos pensam através de palavras, conceitos, imagens, sons, associações. Um computador que nada faça além de manipular seqüências de zeros e uns não passa de uma máquina de somar excepcionalmente ineficiente. Para que a mágica da revolução digital ocorra, um computador deve também representar-se a si mesmo ao usuário, numa linguagem que este compreenda”. [2] A linguagem compreensível, citada por Steven Johnson, é um meio de interagir com o sistema através da própria experiência anterior do usuário, aí é que entra o processo de inserção das metáforas.

O ponto de vista do homem é priorizado quando a interface gráfica de usuário faz uso da metáfora de uma tecnologia ou de um ambiente que o usuário do computador já dominava antes de ter essa experiência digital.

Assim, o usuário tem uma curva de aprendizagem em contato com a interface, que diminui de acordo com o conhecimento anterior de que ele possa fazer uso no cumprimento da sua tarefa. É por essa razão que é comum encontrar no meio digital uma série de termos para identificar determinados programas que funcionam através de interfaces com nomes de ambientes e tecnologias conhecidas por todos, até mesmo por quem nunca utilizou um computador: “salas de bate-papo”, “correio eletrônico”, “loja virtual”, “carrinho de compras”; sempre criando uma familiarização com o sistema.

De acordo com Domingues: “Além de ser uma ferramenta, o computador é também um meio de comunicação e expressão. Tem, portanto, a sua própria linguagem nativa, que é bastante estranha à compreensão humana. Para que haja uma comunicação efetiva homem-máquina, a linguagem do computador deve ser preferencialmente “substituída” para a nossa linguagem natural. No contexto deste estudo a metáfora participa como tradutora de um mundo hostil representado pela terminologia e pela linguagem do computador para a nossa linguagem natural”. [3] Assim, os ícones presentes no desktop, ou mesmo em algum software, representam objetos do dia-a-dia, o que faz com que o uso do computador seja um signo das ações do usuário em um ambiente físico, ações que ele realiza independente de conhecer ou não informática: jogar um texto velho no lixo, organizar pastas em ordem alfabética ou ampliar o tamanho da visualização dos objetos com uma lente de aumento.

Com os games direcionados à publicidade e fixação de marca (chamados advergames), o processo é baseado no mesmo conceito – oferecer ao usuário uma ferramenta da qual ele já dispõe de habilidade para utilizar.

Quando surgiu o game, na década de 60, o número de controles era limitado, como era a tecnologia disponível para a produção desses dispositivos. Assim os games ficaram com um método de utilização bem simples e intuitivo, pois o número de ações pautadas na tentativa e erro era igualmente limitado, diminuindo o tempo que o usuário leva para aprender a operar o game. Essa forma de interação garantiu a usabilidade do jogo durante todo o período em que jogos eletrônicos estavam limitados aos antigos Arcades.

Atualmente os games digitais têm um número de comandos que ultrapassam demasiadamente as possibilidades de ações em um Space Invaders. Mas disponibilizar games com os mesmos comandos de um Atari é a garantia de que o usuário, ainda que não seja um gamer, conseguirá jogar.

Como a interação com o jogo é uma nova forma de fixação de uma marca de produto ou serviço, a não ser em casos muito específicos, não é prudente para um designer de advergame criar um jogo complexo, em que o usuário precise se tornar um expert e ficar muito tempo jogando para atingir o último nível, onde então visualizaria a marca anunciada.

A interface dos advergames utiliza novos recursos visuais, mas mantém os controles e a estrutura de plataforma bidimensional. É uma metáfora, assim como o desktop é uma recriação de um escritório.

Se o usuário fica limitado a mover seu avatar da esquerda para a direita apenas, com duas teclas como controle e a atirar somente em uma direção, ainda que a interface gráfica crie a ilusão de terceira dimensão, a facilidade em operar esse tipo de jogo se deve à cultura já instalada pelos arcades. Ou ainda ao número pequeno de comandos, que garantiam a usabilidade de tais dispositivos e simplificam a interação, conforme demonstra o jogo promocional do filme de Robert Rodrigues e Frank Miller, Sin City, em uma recriação do Space Invaders. Essa simplicidade é que possibilita que o maior número de usuários já saiba como interagir. Assim como os novos usuários de um Macintosh na década de 80 sabiam como usar uma lixeira e um porta-arquivos.

Através de conceitos de ergonomia e usabilidade, os advergames atingem o seu público, sem fazer distinções quanto ao know how na área de jogos eletrônicos. O que é fundamental, já que a função de uma campanha de marketing é atingir o maior número possível de espectadores, seja por meio de mídias eletrônicas como a TV e o rádio, mídia impressa ou hot-sites na internet.

O advergame tem a função de tornar-se acessível ao seu público, assim como todas as outras peças publicitárias, sem que tal público seja expert em games, bastando ser usuário de computador.

Referências:

[1] Régnier, Jacques. Ergonomia. (15/10/04)
[2] Johnson, Esteven. Cultura da Interface. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001.
[3] Domingues, Delmar Galise. O uso de metáforas na Computação. Dissertação de Mestrado em Ciência da Informação e Documentação, USP, 2001.

:: Mais do mesmo: paper apresentado no SBGames 2005 e publicado originalmente no Webinsider.

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