A importância da gambiarra (bem feita)

Gambiarra, todos aqui já devem ter ouvido falar nisso, não? Fazendo uma leitura rápida do termo, podemos dizer que gambiarra é algo precário, feio, tosco ou mal acabado. Certo? Visualize isso por um momento. Analisando a etimologia da palavra, sua origem está ligada a algo contrário ou duvidoso, como um ramificação de extensão de luz, o famoso “gato”. Só consultar os dicionários para ler mais sobre isso. E o “gato” é só um dos exemplos.

Contudo, não podemos apenas nos ater a estes termos. A palavra também tem um significado ligado ao improviso ou ao ato de construir e desenvolver uma solução improvisada. Se você, alguma vez já fez isso, ou seja, construiu uma solução improvisada, você pode ter feito uma “gambi”, como também é chamada. Mas veja bem, qual a ligação da improvisação com a criatividade?

A gambiarra não é uma exclusividade brasileira como muitos podem pensar. Na Índia, um sinônimo seria a palavra jugaad, que significa algo como um conserto inovador, uma solução improvisada com engenhosidade e inteligência. Os chineses tem uma expressão que tem o mesmo significado: zizhu chuangxin. Já os franceses, como não poderia deixar ser, contam com uma palavra chique para denominar a gambiarra brasileira: système D.

Podemos dizer que a gambiarra é universal. Só muda de nome por aí.

Se analisarmos sob o ponto de vista da solução inventiva e improvisada, ou solução alternativa a um problema, a gambiarra está ligada diretamente à criatividade. Se partimos do pressuposto que, uma das definições de criatividade é a capacidade individual ou coletiva de resolução de problemas, a gambiara, de uma forma ou de outra, estará presente.

Durante o processo criativo, de forma geral, o primeiro passo é se envolver, entender e sentir o problema a ser resolvido. E se a solução precisa ser rápida, acredite, a gambiarra estará presente.

E falando de processo criativo, o resultado final da resolução de um problema pode resultar em um produto, serviço ou uma nova solução, que pode ser útil e aceita por algum tempo. A solução pode até ser implementada no decorrer do seu desenvolvimento, mas enquanto estiver em fase de testes, com acertos e erros, a gambiarra está por lá.

Responda, e pode ser nos comentários aqui: quantas vezes vocês fez algo que tinha certeza ser uma gambiarra bem feita?

Em um mundo cada vez mais conectado e instantâneo, a resolução rápida e eficaz de problemas é uma disciplina cada vez mais explorada e necessária para a vida pessoal e corporativa. E se, muitas vezes a resolução tem que ser rápida, inventiva e certeira, a gambiarra poderá estar presente. E isso não é nenhum demérito e sim uma necessidade. 

Mas… a gambiarra tem que ser provisória e NUNCA a solução final. Boas gambiarras para você! 😉

Se você gostou de tema, não deixe de ler o livro “A Inovação do Improviso”.

David de Oliveira Lemes (@dolemes) é professor do Departamento de Computação da PUC-SP. Consultor na área de educação e tecnologia. Editor do GameReporter e também leciona na FIAP, FECAP e Faculdade Impacta. Precisa de uma palestra para sua empresa, evento ou instituição de ensino? Entre em contato.

Você conhece a Fábula de Jogo?

Games são obras narrativas. Independente da natureza do jogo digital, até mesmo um simples puzzle lógico traz em si elementos narrativos que contam uma história, uma aventura ou simplesmente um processo de descoberta. Chegou a hora de conhecer a Fábula de Jogo!

Em um jogo digital, além de você poder jogar uma história, você pode interpretá-la de várias maneiras. A cada nova etapa vencida, uma nova descoberta se faz. E não se pode negar que a narrativa encontra no game um habitat fértil (Santaella, 2007).

Fértil, pois o ambiente digital, onde acontecem as dinâmicas de jogo, propicia que a multilinearidade narrativa inerente a este meio esteja presente e seja aplicada, lida e relida sempre que um novo ato de jogar aconteça.

Contudo, é preciso aqui começar a definir um caminho a ser percorrido na presente pesquisa e perguntar: mas o que são de fato obras narrativas? De acordo com Barthes (2011), “a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, na conversação”. Como a primeira edição da obra citada foi escrita em 1973, o game, o videogame e os jogos digitais não estão na lista do autor. Fosse o livro escrito por Barthes alguns anos depois, estariam, pois games contam histórias que podem ser jogadas.

Neste sentido usaremos o conceito de fábula proposto por Bal (1997) para estabelecer os parâmetros de análise na narrativa. E dentro de um estudo aprofundado sobre o tema, a autora apresenta o conceito de fábula. Como podemos definir o que é uma fábula dentro deste contexto? Antes é preciso saber como o termo é usado.

Na Língua Portuguesa, a palavra “fábula” apresenta diversos significados, como: narrações alegóricas cujas personagens são, por via de regra, animais, e que encerra uma lição de moral, com as fábulas de La Fontaine. Mitologia, lenda: os deuses da fábula. Narração de coisas imaginárias: ficção. Fabulação. Assunto de crítica. Enredo. Quantia ou importância muito elevada: grande soma de dinheiro (Portella, 1983).

Já o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis, define fábula destas seis formas: 1 – Pequena narrativa em que se aproveita a ficção alegórica para sugerir uma verdade ou reflexão de ordem moral, com intervenção de pessoas, animais e até entidades inanimadas. 2 – Narração imaginária, ficção artificiosa. 3 – Narrativa ou conjunto de narrativas de ideação mitológica; mito. 4 – Entrecho ou urdidura de qualquer obra de ficção. 5 – Os elementos de deformação da realidade nas composições do gênero épico ou de invenção. 6 – Mentira.

A segunda definição de “fábula” (narração imaginária, ficção artificiosa) contribui para o uso da palavra fábula no contexto deste trabalho de pesquisa, assim como uma definição de Portella: narração de coisas imaginárias, ficção. Este é o sentido de fábula que adotaremos neste trabalho.

Tendo a narrativa como um dos pontos relevantes neste texto, vamos assumir que, dentro do contexto da Língua Portuguesa, o conceito de enredo e narrativa para tratar especificamente da fábula e construir aqui uma raciocínio para a apresentação do conceito de Fábula de Jogo.

Cabe aqui considerar uma fábula como um agrupamento específico de uma série de acontecimentos. A fábula, como um todo, constitui um processo, embora cada evento também possa ser chamado de processo, ou pelo menos parte dele. É fundamental distinguir as três fases da fábula: a possibilidade (ou virtual), o evento (ou realização) e o resultado (ou conclusão) do processo. Nenhuma dessas três fases é indispensável. Uma possibilidade pode ou não ser realizada. E mesmo que o evento aconteça, nem sempre é garantida uma conclusão satisfatória (Bal, 2017).

Veja um exemplo específico desta do universo dos games. O jogo Super Mario Bros, lançado em 1985 pela Nintendo, conta com oito mundos e, cada um destes mundos possui quatro fases. O objetivo final do personagem principal é enfrentar, no oitavo e último mundo, o vilão chamado Bowser, salvar a Princesa Peach e libertar os habitantes do Reino dos Cogumelos.

Para chegar ao objetivo final, Mario, o personagem principal, vive uma sequência de eventos e acontecimentos, formando assim a narrativa presente no jogo. Contudo, a conclusão do objetivo final, nem sempre é satisfatória e alguns eventos podem não acontecer em um primeiro momento, pois o jogador precisa aprender como vencer os vilões para assim salvar a Princesa Peach. Apesar de uma conclusão não satisfatória, o jogo continua até a conclusão satisfatória.

Como podemos ver, a história do jogo é uma narrativa. E, de acordo com Bremond (2011), “toda narrativa consiste em um discurso integrado em uma sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação”. Olhando para a história dos games, desde o seu início, até os dias atuais, não é difícil fazer esta analogia direta: um jogo digital é composto, dentre tantos elementos, de um agrupamento específico de uma série de acontecimentos. Estes acontecimentos, apesar de serem jogados quando o game está pronto, passou por um planejamento prévio, um processo de criação e escrita e construção de uma narrativa. E é este processo de criação e de definição da sequência de acontecimentos que daremos o nome aqui de Fábula de Jogo.

E neste ponto vou propor que, uma Fábula de Jogo [FDJ] é, portanto, uma sequência de acontecimentos narrativos que podem ser jogados construindo assim a narrativa presente no jogo digital. Estes acontecimentos narrativos devem estar documentados de alguma forma durante o processo de criação, antes de serem programados para serem transformados em um jogo digital.

Veremos mais sobre o processo de documentação em textos futuros, mas caso tenham dúvidas, deixe aqui seu comentário.

Sendo a proposta de Fábula de Jogo ser uma sequência de acontecimentos narrativos, o que aconteceria se isolássemos estes acontecimentos, ou seja, separarmos em acontecimentos independentes?

Este é um assunto para o próximo texto.

Referências Bibliográficas

BAL, M. Narratology: Introduction to the Theory of Narrative. 2nd. ed. Toronto: University of Toronto Press, 1997.

BARTHES, R. Análise estrutural da narrativa – 7a edição. Petrópolis: Vozes, 2011.

BREMOND, C. A lógica da narrativa. BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 2011.

SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

PORTELLA, O. O. A fábula. Revista Letras, v. 32, 1983.

Tetris e o poder das decisões

Você já jogou Tetris? Tetris é um jogo criado em 1984 pelo Russo Alexey Pajitnov e tornou-se um sucesso mundial ao ser lançado para o Nintendo Game Boy em 1989. Sucesso arrebatador no século passado, o jogo segue vivo até os dias atuais.

O game Tetris consiste em empilhar diversas peças (de formatos e cores diferentes) que descem do topo da tela de forma que completem linhas horizontais. Quando uma linha se forma, ela desaparece e as camadas superiores ocupam a linha que sumiu, o que faz jogador ganhar pontos. Quando a pilha de peças chega ao topo da tela, a partida se encerra… e tudo isso acontece em poucos minutos (ou até segundos)! A além de racionar rápido, você precisa o tempo todo tomar as decisões em que ponto e onde encaixar as peças.

Já parou para pensar que em nossa vida somos sempre obrigados a tomar uma série de decisões, todos os dias e em diversos momentos de um mesmo dia?

Segundo a Wikipédia (que todos nós amamos, certo?) a tomada de decisão é um processo cognitivo que resulta na seleção de uma opção entre várias alternativas. É amplamente utilizada para incluir preferência, inferência, classificação e julgamento, quer consciente ou inconsciente.

Em nosso dia a dia, muitas vezes somos obrigados a tomar decisões rápidas, sem muito tempo para refletir sobre os resultados e suas consequências. Contudo, em outras ocasiões, temos a oportunidade de tomar decisões com mais tempo para refletir, optando por caminho um caminho diferente.

De uma forma ou de outra, as decisões que tomamos sempre impactam nossas vidas. É como no jogo Tetris, onde a todo momento você é obrigado a tomar uma decisão para seguir em frente.

As decisões tomadas no decorrer de uma partida de Tetris se baseiam em rápido raciocínio para encaixar as peças, formar uma linha e assim evitar que o jogo seja ganho pela máquina. Afinal, seu objetivo é vencer o computador (uma máquina de calcular), seja ele portátil, daqueles que você carrega no bolso e ainda faz ligações telefônicas ou esteja parado em sua mesa de trabalho.

“O futuro é construído pelas nossas decisões diárias, inconstantes e mutáveis, e cada evento influencia todos os outros” Alvin Tofller .

Assim como em nossa vida cotidiana, o nosso objetivo também não é vencer a máquina? Seja esta máquina o sistema de trabalho, o sistema escolar, o sistema financeiro, a máquina do tempo, das horas, dos projetos, das lista de tarefas infindáveis, das metas a serem batidas…

Com Tetris aprendemos que temos que raciocinar rapidamente para a tomada de decisão, e isso pode nos ajudar a tomar decisões em nosso dia a dia. Pois você já pensou se, em sua rotina diária, você não fosse obrigado a tomar nenhum tipo de decisão, por mais simples que seja? Como seria?

Estamos o tempo todo encaixando peças, como no Tetris, seja buscando algum horário em nossas agendas sempre cheias de compromissos, seja respondendo pelos menos 35 e-mails por dia ou marcando reuniões… é um verdadeiro Tetris diário, real e presente em nosso cotidiano.

Ao não tomar decisões, você se torna um procrastinador. E procrastinar, qualquer que sejam as decisões ou tarefas, te leva ao topo da tela do Tetris… e a máquina irá te vencer, sempre!

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